Carnaval foi pioneiro em dar
visibilidade à cultura negra, defende pesquisa
Professores e alunos da Universidade Federal de Juiz de Fora
(UFJF) corroboram, por meio de pesquisas e análises, a transfiguração do
Carnaval de uma festa introduzida no Brasil por europeus em uma das mais
fortes manifestações da identidade cultural do país. A celebração foi uma das
primeiras a dar visibilidade à cultura afro-brasileira e atualmente se depara
com o desafio de manter a espontaneidade diante dos holofotes da mídia, do
marketing e do turismo.
O Programa de Pós-graduação em
Comunicação da UFJF desenvolve pesquisa, por meio do estudante do mestrado
Rafael Rezende e da professora Teresa Neves, sobre as formas com que a cultura
negra influencia o carnaval brasileiro e como ela é representada na festa ao
longo dos últimos 50 anos. “O estudo busca perceber se e como a representação
da cultura negra é alterada no decorrer do tempo, conforme o contexto
histórico. A dissertação também se propõe a verificar se os aspectos dionísicos
e apolíneos, relacionados ao enebriante, à espontaneidade, são mantidos em um
espetáculo tão midiaticamente produzido”, afirma Teresa. Na mitologia grega, o
deus Dionísio é associado à festa, ao vinho e ao bacanal, enquanto Apolo está
vinculado ao Sol, à inspiração artística, à beleza e à liderança de musas.
“O carnaval é um reflexo das
muitas referências culturais dos povos que chegaram ao Brasil. Elas se
combinaram de variadas formas, a ponto de se tornar um produto original”,
avalia Rezende. As festividades carnavalescas, importadas da Europa, contam com
dança e sonoridade essencialmente negras no seu estabelecimento no Brasil. “A
maior contribuição do negro nesse processo creio ter sido na elaboração de
gêneros musicais apropriados para a folia, como o samba, o samba-enredo, o
maracatu, o afoxé e o axé”, pontua. “Os negros ainda participaram ativamente
das várias modalidades da festa, criando os cordões, as escolas de samba e
muitos blocos famosos, além da temática negra ser comumente explorada nos
enredos das escolas de samba.”
A festa ainda torna-se
instrumento de resistência e celebração de ícones culturais que, em demais
veículos de representação, são neglicenciados. “O carnaval contribuiu
decisivamente para levar ao conhecimento da população a existência e a
importância de nomes como Zumbi dos Palmares, Chico Rei e Chica da Silva, na
época em que estes personagens eram ignorados pela ‘história oficial’
apresentada nos livros escolares”, exemplifica Rezende.
O carnaval permanece relevante para a cultura negra, ao mantê-la viva e ativa nas celebrações. “Nelas o negro é protagonista”, afirma Rezende. “O carnaval é uma possibilidade de ele se enxergar positivamente, ter orgulho de si, além de oferecer conhecimento e, com isso, desfazer preconceitos por meio de enredos que o represente, principalmente no que se refere à religiosidade, alvo constante de manifestação de intolerância. Então, pelas vias culturais, ele pode encontrar o espaço que ainda lhe é negado.”
O carnaval permanece relevante para a cultura negra, ao mantê-la viva e ativa nas celebrações. “Nelas o negro é protagonista”, afirma Rezende. “O carnaval é uma possibilidade de ele se enxergar positivamente, ter orgulho de si, além de oferecer conhecimento e, com isso, desfazer preconceitos por meio de enredos que o represente, principalmente no que se refere à religiosidade, alvo constante de manifestação de intolerância. Então, pelas vias culturais, ele pode encontrar o espaço que ainda lhe é negado.”
“Ao juntar, em clima de
descontração pessoas das mais variadas idades, situações econômicas e culturas,
o carnaval se torna um espaço de intenso diálogo e negociador das tensões
sociais que perpassam as relações no dia-a-dia das cidades”, conclui o
mestrando.
Brasil como fonte
Professor do curso de Turismo da UFJF e doutor em sociologia pela universidade francesa Paris Descartes, Marcelo do Carmo, dedica-se ao estudo de efervescências culturais. “O carnaval já está arraigado na cultura brasileira. Embora tenha sido trazido para cá por meio da colonização europeia, os contornos brasileiros se reforçaram em nossas festas, principalmente no fim do século 19 e durante o século 20. Atualmente são os outros países que bebem da fonte do Brasil.”
Nos primórdios da sua história
no Brasil, o carnaval foi uma herança trazida pelos portugueses, manifestado
principalmente na comemoração chamada de “entrudo”, pela qual eram promovidas
brincadeiras como jogar farinha, tinta e água nas pessoas. A festa, no entanto,
não passou imaculada pela cultura brasileira e foi influenciada pelos folclores
indígena e africano, incorporado pelos escravos. A variedade da festividade é
observada até hoje em várias regiões do país.
“Embora já observemos traços
midiáticos no carnaval, que também se promove como oportunidade de marketing e
turismo, não tem como desvincular as representações culturais da festa. E ela
não deixa de refletir a cultura do povo”, atesta o pesquisador. “Observei isso
principalmente durante período que passei acompanhando ‘O homem da meia-noite’,
na cidade de Olinda”, relembra Carmo, referindo-se ao bloco tradicional
nordestino, baseado em lenda folclórica da região. “O carnaval é democrático e
vai carregar sempre a identidade cultural brasileira.”
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