Rappin Hood
Um
estilo musical como forma de contestação da juventude negra. Surgido nos guetos
da Jamaica, o rap invadiu os bairros pobres e negros norte-americanos, depois ganhou o mundo.
Como surgiu o rap em sua vida?
O rap surgiu por intermédio dos meus tios, que faziam bailes
no interior de São Paulo. Eu os acompanhava e escutava muita coisa, fazia
bailinhos de garagem aqui na capital, também era meio Dj, com o que arrecadava
dos bailes comprava os discos, fitas cassete... Gravava as fitas só para tocar
nos bailes, era o tempo do funk. Surgiu Black Junior, Pepeu, Os Metralhas,
Thayde, Ice Jack., foi nesse tempo...Na verdade eu já era um dançarino, eu já
era um break, eu já dançava o break. Do break pro rap foi um passo.
O rap é parte do Hip Hop. Uma surge como forma contestadora da
juventude negra norte-americana e depois a brasileira, como você avalia isso
hoje?
O rap no Brasil ainda mantém, não totalmente, um pouco dessa história de
contestação, de ser a voz da periferia, embora estejam surgindo novos nomes que
compõem um rap mais comercial, desengajado e estão certos, porque o rap é isso,
também é música de lazer. Eu, por ser da velha escola, faço um rap de raiz.
Gosto mesmo é do rap com comprometimento. Estamos em um momento de divisor de
águas com o surgimento de novas bandas, uma outra história. Mano Brown,
considerado líder do principal grupo de rap do Brasil, está revendo conceitos,
quando dá entrevista para o Roda Viva (programa
da TV Cultura), por exemplo, passa a fazer parte da mídia. Representa um
momento novo, diferenciado para o rap brasileiro. É legal assistir a esse
crescimento, espero que seja uma evolução da qualidade musical, também nas
letras e nos discursos literários. Eu vejo o rap como a grande música de agora.
Qualquer país conhece Snoop Dog, 50 Cent. Hoje em dia todo mundo sabe o que é o
rap, bem diferente de 20 anos atrás.
Que recado você daria para o jovem negro da periferia com poucas
oportunidades e que vê no rap uma das saídas da exclusão?
Se for um dançarino pode participar de um videoclipe; o grafiteiro, caso
consiga fazer um grafite e até mesmo gravar um CD, precisa saber é que vai ter
de esperar até ganhar reconhecimento e algum dinheiro com isso, mas deve
esclarecer que é só o começo. O jovem não vai ficar rico com isso, pode ser, tomara
que ele vire o novo Basquiat (grafiteiro nova-iorquino), mas não precisa pensar
nisso, conquistar propriedades, carros luxuosos... Ele necessita saber que o
rap é um caminho, um estilo de vida, algo digno. Então, o que eu aconselho ao
jovem que queira entrar no rap é o seguinte: ter persistência, paciência,
dedicação, lutar, praticar, se aprimorar, procurar estudar música. Aí, talvez,
ele possa galgar o sucesso; eu não acredito em sucesso sem trabalho, sem
estudo. Creio é o que diz a velha frase: “99% de transpiração e 1 % de
inspiração”. Esse 1% que é abençoado!
Você acha que o governo tem programas adequados à juventude
negra no Brasil?
Não! Depois da criação do SEPPIR - Secretaria de Políticas de Promoção da
Igualdade Racial, vejo que houve pela primeira vez uma pequena preocupação em
falar com esse público, mas significa pouco. Existe muita resistência ainda ao
sistema de cotas e pouco comprometimento dos políticos e consequentemente, da
sociedade como um todo. Há pouco engajamento até do próprio povo negro em se
informar, reivindicar, se fortalecer. A gente tem que dar muitos passos e
espero estar colaborando para que esses passos sejam dados, não só por mim, mas
pelo meu filho Martin, pelos netos que eu ainda possa ter e também pelos meus
ancestrais.
Alguns críticos do seu trabalho o classificam como puramente
comercial e que, às vezes, foge da linha política do hip hop. Como você recebe
essas opiniões?
Estou tranquilo, porque acho que quem fala não faz. O rap já é de esquerda,
nasceu de esquerda e não vai deixar de ser esquerda, é extrema esquerda,
radical, entendeu? Mas pra mim todo radical aprende que só gritar não adianta.
É necessário realizar e para isso a gente tem que aprender a negociar. Eu gosto
de falar e muito. Quando realizo eu me sinto bem dentro da minha comunidade, eu
não sou uma pessoa que curte dizer tudo o que faz, porque quem faz não fica
falando. Nessa linha um grande exemplo foi Ayrton Senna, que, após a morte
dele, soubemos que havia realizado muitas coisas. Quando não cobro “jabadas”
das bandas novas pra tocar no rádio estou fazendo. Ao abrir espaço no meu
programa de rádio para bandas irem lá fazer entrevistas sem pagar nada, estou
fazendo. Ser radical qualquer um pode dizer que é, preciso ver a ação.
Há uns tempos atrás o presidente Lula chamou várias lideranças
do hip hop para uma conversa, como foi?
Interessante. O rap teve a chance de ir até o presidente, e eu fico pensando: a
gente deveria não ter ido? Poderíamos perder esse momento de ser ouvido?
Voltando a falar nos radicais, eles se posicionaram dizendo: “somos do Rap, a
gente não vai”. Foi uma oportunidade que o rap teve de falar o que pensa para
quem realmente está fazendo história, representou a hora até de traçar um
paralelo nessa conversa, desenvolver projetos juntos. Infelizmente, o próprio
hip hop não se entendeu para que isso se concretizasse. Então, eu acho que aí
está o resultado de um radicalismo sem compromisso em fazer as coisas
acontecerem.
Na década de 80, um ex-Pantera Negra visitou o Brasil, esteve
aqui no Heliópolis e disse: “Esse país precisa urgentemente de uma revolução”.
Você convive aqui. A frase continua válida nos dias de hoje?
Com certeza! Ele visitou aqui nos tempos dos barracos de madeira. Hoje em dia
mudou para alvenaria, só isso. Além de ter aumentado, Heliópolis é um Vietnã
brasileiro. Infelizmente, acho que uma revolução vai demorar para acontecer.
Somos um povo pacato, um povo que não está muito a fim dessa luta. Por exemplo,
tenho maior respeito pelo MST (Movimento dos Sem-Terra). Eu acho que os
militantes fazem parte da linha de frente da guerrilha e não só no discurso.
Eles estão na guerrilha mesmo, não é brincadeira. Tem gente presa, gente
morrendo. Os caras põem a mão em arma. A gente sabe que irão morrer muitos.
Tínhamos que ser todos assim. O povo talvez não esteja preparado para isso. Eu
tento colaborar com rap, essa é a minha espécie de revolução. Procuro mostrar com
rap como usam nossa mente. Fazer a revolução, aprender a votar, a questionar,
pôr em prática a nossa cidadania. Acho que essa é a revolução que o rap prega.
Infelizmente o povo brasileiro não tem este apetite. Veja a universidade, não é
dos pobres, mas sim dos alunos que têm dinheiro pra estudar. O povo hoje em dia
talvez não esteja preparado para esta revolução. Os grandes investidores e
empresários latifundiários coligados a importantes conglomerados
internacionais, endinheirados, que vivem aqui, terão que ficar isolados, atrás
de muros altos, segurança e cão de guarda. Porque as ruas vão virar um caos.
Quando você juntou o Rap ao Samba e à MPB, como foi a reação dos
tradicionalistas naquele momento?
Realmente era um tabu. Hoje outros seguem a mesma linha, depois que o primeiro
foi e tomou pancada, ficou mais fácil. No começo houve resistência, sim. Muitos
questionavam a mistura. Fico feliz em ter conseguido criar essa ponte. Eu acho
que são muitas coisas próximas: samba, reggae, rap. Tudo é música negra. Eu me
sinto à vontade para transitar nesses mundos; eu me identifico totalmente. Mas
teve resistência. Hoje parece que estão aderindo.
Você tem um programa de rádio há muitos anos e grande penetração
na TV aberta. Como é sua relação com a mídia?
O Rap do Bom é meu programa de rádio há sete anos na 105 FM. Também fiquei um
tempo no Metrópolis, com o quadro “Mano a Mano”, toda quarta-feira e agora
seguimos na preparação desse piloto do Rap do Bom na TV. É um desafio fazer
algo na TV para o público do hip hop, um programa com nossa cara, a nossa
identidade, mostrar hip hop da forma mais digna e mais verdadeira possível com
relação à mídia. Eu acredito que quem é verdadeiro não tem que ter receio de se
mostrar nem ter medo da mídia, pois isso significa um espelho, o que vem vai
voltar na cara. Eu não tenho medo da mídia. Só que eu sei que ela constrói e
destrói. Todos que estão nesse jogo sabem disso.
Como foi gravar com a escola Olodum?
Legal conhecer o trabalho maravilhoso do Olodum, o Pelô. Conhecer aquela terra.
Foi minha primeira vez lá. Chegamos à noite, eu e o Negro House no Pelô.
Parecíamos duas crianças: “o início de nosso povo foi aqui, o povo desceu, veio
direto da África, na Meca brasileira, uma maravilha, aquela auto-estima”. E
assistir ao trabalho do Olodum, que deixa qualquer um impressionado, feito com
a criançada, com a comunidade. Muito bom participar deste CD do Olodum.
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