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15 de julho de 2017

A importância de valorizar a beleza negra para enfrentar o racismo


   http://afroguerrilha.com/2017/01/08/a-importancia-de-valorizar-as- esteticas-negras-na-luta-contra-
   o-racismo/                        

Ainda que de maneira muito reduzida, pessoas negras tem ganhado algum espaço nas mídias impressas, televisiva e digitais e tentado com muito esforço apresentar uma outra imagem do que é a negritude. Meninas e rapazes que aceitam e assumem seu fenótipo negro como algo belo, ocupam de forma cada vez mais forte a moda, a fotografia, as artes e a produção cultural em geral. Além disso, cada vez mais projetos, que vão de páginas no Facebook e no Instagram até grandes ensaios fotográficos, compilam e espalham imagens positivas de pessoas negras na internet.

Mas isso tem recebido críticas de pessoas que vêem o movimento do “tombamento”, ou da valorização da estética negra, como algo superficial, que estaria deixando de lado questões importantes e urgentes. E aqui surge um suposto conflito. Algumas pessoas que fazem essa crítica, além de apontar uma insuficiência da valorização estética na luta antirracista, muitas vezes colocam esse movimento como uma espécie de ferramenta do poder branco, já que na moda, na mídia e em outros lugares, essas iniciativas estão ligadas à comercialização de produtos em cujos processos a presença da negritude está meramente na exposição, sendo que os ganhos finais daquilo vão para brancos, na maioria das vezes. Outra crítica é que valorizar estética negra sem promover outras ações que abordem o genocídio do povo negro e a violência policial seria algo nulo, sem nenhum efeito na luta antirracista. Essas críticas podem fazer algum sentido, dependendo do contexto, mas será que também não são limitadas?

Racismo: um sistema complexo e de várias dimensões

O primeiro problema dessas críticas, na maioria das vezes, é que elas ignoram a complexidade do racismo e lembram apenas de um de seus tentáculos. De fato, um dos maiores problemas do nosso país é a violência policial contra o povo negro. Todas as estatísticas oferecem a evidência da continuidade histórica de um genocídio que começou quando os brancos invadiram a África e sequestraram os primeiros de nós, e essa indústria da morte do povo preto nunca parou, muito pelo contrário, ela segue com toda a força.
Porém, esse não é o único dos tentáculos do racismo. Para que hoje a mesma negritude que remete aos povos que já foram os mais ricos cultural e materialmente na história seja ligada ao que há de pior no mundo, foi preciso que o racismo operasse em várias dimensões. E é aí que entra a importância da valorização da imagem do corpo negro, não como algo acessório, mas fundamental e complementar para combater o racismo.
Existem várias maneiras de aplicar golpes em quem se espera derrotar. Desde que invadiram a África, os brancos exploraram os africanos material e fisicamente de várias formas, desde o roubo de suas riquezas naturais até o uso forçado de seus corpos para fazer o trabalho braçal que eles não queriam fazer. Mas, seja como ponto de partida para a escravidão, seja como resultado dela, é fato que o rebaixamento da negritude no imaginário social ao longo do tempo foi o que contribuiu de maneira mais significativa para o domínio branco sobre o povo preto. E esse rebaixamento tem uma forte carga estética, não só na ridicularização dos atributos fenotípicos do povo preto, mas também na inferiorização de nossa ancestralidade, de nossos saberes e de nossas culturas.
Ou seja, conseguiram nos derrotar em várias batalhas quando nos fizeram acreditar que não valia a pena lutar por nós mesmos, que nós valíamos menos, que não éramos humanos como eles, os brancos. Desmontaram parte de nossa resistência. A desvalorização, inferiorização e ridicularização da negritude, ao longo dos séculos, fixou no imaginário social da sociedade brasileira a ideia de que somos naturalmente inferiores e que só embranquecendo, seja pela miscigenação, seja pela auto-violência física e estética, poderíamos ser “menos piores”. E o racismo incutiu isso em nossas cabeças, em nosso hábitos, comportamentos e estilos de vida, e a partir daí nós mesmos reproduzimos essas violências contra nós. A naturalização disso é tão forte que em nossa sociedade a negritude virou sinônimo de feiura. Por isso, mesmo quando uma pessoa negra de pele clara não é chamado explicitamente de “negra, o lugar que ela ocupa próximo à branquitude é o lugar do “feio”. Essa é uma ferramenta fundamental para desmontar nossa resistência. No lugar da auto-valorização, do auto-amor, aprendemos desde criança o auto-ódio, aprendemos a olhar no espelho e sentir nojo, raiva, tristeza por sermos quem somos, por trazermos a África estampada no corpo. Aprendemos, assim, a cometer uma série de violências contra nossos corpos com o objetivo de ficarmos mais próximos da branquitude.

O racismo não esquece nenhuma pessoa negra: auto-amor como resistência

Por isso, acredito que o primeiro obstáculo que enfrentamos na luta contra o racismo é gostar de nós mesmos. É uma tarefa árdua, difícil e espinhosa se olhar no espelho e tentar sentir amor ao invés de ódio. Reverter no nosso imaginário a ideia secular de que a negritude é uma coisa feia, ruim, de menos valor, dói bastante, porque temos que remexer em várias feridas que passamos a vida toda tentando esconder. Mas é só quando passamos, de fato, a acreditar em nosso valor, em nossa integridade humana, é que ganhamos força, somos empoderados, nos sentimos confiantes para enfrentar o racismo em outras dimensões.
E essa redescoberta de nós mesmos, de nosso valor como humanos, de nossa ancestralidade, de nossa beleza preta, africana, deve vir com o entendimento e a aceitação de nossa diversidade. Uma das formas de o racismo nos enfraquecer foi nos reduzindo a um modelo estereotipado de pessoa negra, nos impondo violentamente determinados papéis nos quais nunca coubemos de verdade. Para o racismo, negro é apenas o de pele mais escura, somos sempre animais sexuais, sempre cisgêneros e heterossexuais, e naturalmente adequados ao trabalho braçal. Redescobrir a riqueza de nossa negritude passa por enfrentar esses reducionismos racistas e celebrar nossa diversidade. Por isso, qualquer iniciativa que pretenda valorizar as estéticas negras precisa estar atenta a isso.
Um menino negro de pele muito clara pode se livrar de muitas situações de violência policial, por exemplo, justamente por ter pele clara, mas vai continuar sendo escanteado para o lugar do “feio, ridículo” na sociedade, receber apelidos racistas e crescer se odiando por ter fenótipo negro. Uma menina negra e lésbica, não sofrerá apenas por ser negra, mas o racismo que a agride virá com uma carga de machismo e lesbofobia junto, ambos sistemas da branquitude. Entre nós, temos de mulheres e homens a pessoas não-binárias, de cis a transgêneros, de gays, bissexuais e lésbicas a heterossexuais, dos de pele mais escura aos de pele mais clara. O racismo não esquece nenhuma pessoa negra, portanto, desenvolver valorização e auto-amor entre nós, individual e coletivamente, envolve respeitarmos e entendermos a riqueza da nossa diversidade.

Para finalizar, acredito que esse movimento que busca valorização da estética negra é, sim, absolutamente importante porque reconstrói nossas defesas, nossos escudos, nossa resistência. Não é suficiente. Mas que estratégia sozinha é suficiente? Se cada preta e cada preto, a partir de suas possibilidades, fizer aquilo que estiver ao seu alcance, conectado com aquilo que o outro faz, isso já terá um impacto enorme. A violência policial contra nós é profunda e precisa ser discutida, mas somos diversos e o racismo também nos violenta de maneira diversa. Racismo não é só o que sai da arma de um policial. Portanto, nos amar, gostar de nós mesmos, pode ser um primeiro passo para entendermos melhor outras questões e nos engajarmos nelas.
Valorizar as estéticas negras empodera, sim. Porque é mais difícil enfrentar o racismo quando você ainda se odeia.










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